A confiança está na raiz da palavra crédito. Sem esse elemento básico, fica difícil imaginar o funcionamento do mercado de crédito. Os sistemas financeiros complexos e desenvolvidos requerem, além da confiança, critérios objetivos para lastrear suas operações. As garantias cumprem esse papel, dando mais segurança ao sistema.
Há diversos tipos de garantias. Elas assumem a forma de um ativo ou de uma obrigação voluntária – nesse caso, envolvendo uma terceira parte. Em caso de inadimplência, o credor pode executar os bens dados em garantia ou cobrar o terceiro que aceitou avalizar a operação. Esses mecanismos funcionam como mitigadores do risco de inadimplência e tornam as concessões menos dependentes do critério subjetivo da confiança.
Cada instrumento de garantia tem a sua liquidez e seu custo de execução. Essas características determinam a maior ou menor qualidade da garantia. No mercado de crédito brasileiro, a regulação das garantias ainda representa um gargalo. É nesse contexto que surge a oportuna discussão sobre o novo marco de garantias, por meio do Projeto de Lei 4.188/2021.
O diagnóstico sobre o sistema de garantias brasileiro costuma ressaltar os altos custos e o tempo despendido nos processos de execução, além da insegurança jurídica. Se uma operação recebe uma garantia real (por exemplo, um bem imóvel), mas o processo de recuperação é moroso e incerto, a garantia perde importância como instrumento atenuante do risco de inadimplência. Esse é um dos aspectos sobre os quais o marco pretende atuar.
Outra dificuldade frequentemente apontada é o subaproveitamento dos bens dados em garantia. Atualmente, um bem imóvel pode garantir apenas uma operação, ainda que o valor da operação seja muito inferior ao valor do bem dado em garantia. A subutilização ocorre ao mesmo tempo em que os consumidores se ressentem da falta de garantias para cobrir outras operações, o que mostra um uso pouco eficiente desses recursos.
E se um mesmo bem pudesse afiançar mais de uma operação? Essa possibilidade, que torna as garantias mais eficientes, está prevista no novo marco, que pretende criar a figura das Instituições Gestoras de Garantias (IGG). Essas instituições serão privadas e terão a responsabilidade de gerir as garantias constituídas na forma de bens móveis e imóveis, facilitando o compartilhamento entre operações de crédito junto a um ou mais concedentes de crédito.
Na prática, um consumidor que tenha um imóvel poderá submeter esse bem a uma avaliação e contratar um limite de garantia mediante o pagamento de tarifa à IGG. Enquanto tiver saldo, esse limite de garantia estará disponível para ser utilizado em diferentes operações.
As IGGs ficarão responsáveis por avaliar os ativos reais dados em garantia, o que deve dar celeridade à jornada do crédito. Com isso, os bancos serão liberados da avaliação, podendo focar em sua atividade principal, que é a concessão de crédito.
O novo marco promete impacto na oferta de crédito, ampliando a participação de “fintechs”, plataformas “peer to peer” e cooperativas. No modelo atual, essas instituições adotam uma postura mais conservadora na avaliação do risco. Com a segurança dada pelas garantias, a tendência é que essas instituições passem a considerar públicos associados a um maior risco de inadimplência.
Mas os benefícios vão além da expansão de crédito: o impacto sobre as taxas de juros foi documentado em estudo de 2019 do Banco Central. Comparando o mesmo grupo de clientes, e operações com valor e prazo parecidos, de modo a tentar isolar o impacto das garantias sobre o custo de crédito, esse estudo demonstrou algo que já se intuía: taxas de juros de operações de crédito pessoal sem garantias foram duas vezes maiores que as taxas de operações garantidas.
O mercado de crédito brasileiro conta com um sistema de informações reconhecidamente eficiente e capilar, fornecendo informações positivas e negativas por meio do setor de birôs de crédito. Esse diagnóstico foi feito pelo Banco Mundial, em seu conhecido ranking de facilidade para fazer negócios. À época, esse mesmo diagnóstico constatou uma oportunidade de melhora no sistema de garantias, de modo a ampliar o acesso ao crédito. O momento de modernizar esse sistema, equiparando-o às melhores práticas internacionais, chegou.
Garantias de crédito
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado