O papel das garantias para redução dos juros no mercado de crédito

Autor: Elias Sfeir
Presidente Executivo-ANBC e Conselheiro Certificado-Promovendo a Disciplina de Crédito e Governança Corporativa-Brasil

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Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, a taxa média de uma operação de crédito pessoal sem garantia foi de 111,2% ao ano. Para chegar a essa porcentagem, o cálculo considerou a média mensal do período. Nessa mesma modalidade, mas com garantia, a taxa foi de 30,5% ao ano. Ao fazer uma conta de subtração simples, percebemos uma diferença considerável de 80,7 pontos percentuais. Essa redução nos juros cobrados de uma modalidade de empréstimo para outra mostra o papel relevante da garantia. Caso ofereçam uma garantia ao credor, pessoas físicas e jurídicas obtêm empréstimos – e financiamentos também – com custo sensivelmente menor.

Redução Dos JurosA constatação foi do Banco Central do Brasil no Relatório de Economia Brasileira (REB) de 2018 divulgado no fim do mês passado. O trabalho também mostrou que a taxa anual de juros cobrada nos empréstimos consignados e nos financiamentos imobiliários e de veículos é também menor porque há, nesses casos, uma garantia para o credor, que costuma ser a alienação fiduciária sobre a qual comentarei mais para frente. Por outro lado, nas modalidades rotativas, como o cartão de crédito, que não preveem garantias, os juros anuais são os mais altos mensurados: 271% ao ano. Mas afinal o que são garantias e por que elas são relevantes para a redução dos juros cobrados?

Basicamente, as garantias são bens oferecidos pelo tomador a quem concede o crédito (credor) que podem ser vendidos em caso de inadimplência. Se a dívida não for paga, o bem é vendido pelo credor para que ela seja quitada. Ao fazer isso, como vimos no estudo do BC, o tomador obtém empréstimo a taxas de juros menores e pode negociar melhores condições de pagamento, como prazo maior. Há diversos tipos de garantia previstos na lei. As garantias reais são hipoteca, alienação fiduciária e penhor. Já as garantias pessoais, também conhecidas como fidejussórias, são aval e fiança.

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As garantias, como observou o BC, estão relacionadas à capacidade das instituições financeiras de recuperar a dívida não paga. Elas influenciam no risco da operação. Quanto mais fácil ou menos onerosa essa capacidade de recuperação, menores os juros aplicados na operação contratada pelo tomador de crédito.

A alienação fiduciária talvez seja a mais conhecida das garantias. Isso porque, como escrevi anteriormente, ela costuma ser adotada nos financiamentos de imóvel, cuja média de taxa de juros praticada foi a menor do estudo do BC: 9,3% ao ano. Esses juros só são possíveis porque a alienação fiduciária é uma excelente garantia para o credor. Ao constituir essa garantia, o que ocorre por meio de instrumento público, a propriedade do imóvel é transferida para o credor.

O devedor, ou seja, quem está pagando o financiamento, fica somente com a posse direta do bem durante o período de duração da dívida. Apenas depois de cumprir com a totalidade da obrigação de pagamento, o devedor torna-se o proprietário do imóvel. Perceba que, em caso de inadimplemento, não há dificuldade para o credor (por ser o proprietário do bem) assumir, por meio das medidas legais cabíveis, o imóvel dado em garantia pelo devedor.

E quem não tem como oferecer garantias para contratar crédito? Para essas pessoas físicas e jurídicas, o Cadastro Positivo (CP), cujo novo modelo com inclusão automática entrará em vigor a partir do dia 9 de julho, é imprescindível. Com o CP, elas podem demonstrar para o mercado que são pagadoras confiáveis e que, portanto, merecem ter acesso ao crédito a taxas de juros mais justas. O Cadastro Positivo é um banco de dados que reúne o histórico completo de pagamentos de um consumidor ou de uma empresa, o que envolve, além das contas não pagas e atrasadas, aquelas que foram honradas e estão sendo pagas. Nesse contexto, a análise de crédito por parte do mercado torna-se mais abrangente e, por isso, muito mais justa.

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O CP será, aliás, uma das principais fontes de consulta do novo modelo de empréstimo regulamentado no Brasil. No fim de abril, entrou em vigor a lei complementar 167/2019, que criou a Empresa Simples de Crédito (ESC). O objetivo é aproximar investidores pessoas físicas de pequenos empresários que precisam de crédito. De acordo com a lei, estamos falamos de microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Segundo o Sebrae, 30% desses empresários têm empréstimo recusado pelos bancos, o que demonstra a importância da ESC, que não é uma instituição financeira e não é regulada pelo Banco Central, mas pode conceder empréstimos e financiamentos com ou sem garantia. Ainda de acordo com a legislação, a ESC só pode operar com capital próprios dos sócios, que têm de ser pessoas físicas. Sua atuação deve ser regional: empréstimos autorizados somente a empreendimentos do mesmo município ou de cidades limítrofes.