Desde 2003, o Banco Mundial organiza um ranking que classifica os países de acordo com a maior ou menor facilidade de fazer negócios. O objetivo do levantamento é comparar o ambiente regulatório entre diferentes países e, assim, ajudar na tomada de decisão das organizações. Com o ranking, é possível decidir, por exemplo, se é mais favorável começar e manter um empreendimento aqui ou em Bangladesh.
O ranking avalia dez dimensões: da obtenção de alvará para construção de unidades empresariais ao processo de pagamento de tributos, passando pelo acesso ao crédito. Numa escala de zero a 100, o país atingiu uma pontuação de 59,1, sendo que a nota mais baixa foi na dimensão do pagamento de impostos. Nesse quesito, o Brasil somou 34,4 pontos, ficando entre os últimos colocados. Já a nota mais elevada foi obtida no processo de abertura de empresas (81,3 pontos). O gráfico abaixo detalha a pontuação brasileira em cada uma das dimensões do indicador:
O recorte do crédito
Embora o relatório permita uma análise mais detalhada de vários recortes regulatórios, vamos nos concentrar na contratação de crédito, ponto essencial para manutenção e desenvolvimento de negócios de todos os portes e setores.
A pontuação para o processo de obtenção de crédito foi de 50, também numa escala de zero a 100 pontos. Essa dimensão da facilidade de fazer negócios abriga dois quesitos, com desempenhos bastante diferentes. O primeiro deles avalia a profundidade das informações de crédito, medindo abrangência, cobertura e acessibilidade desses dados. Disponibilizar informações de crédito de pessoas físicas e jurídicas, positivas e negativas, conta pontos, bem como o número de indivíduos e empresas listados nos birôs de crédito.
O segundo quesito diz respeito ao grau de proteção de mutuários (aqueles que tomam um empréstimo) e mutuantes (aqueles que concedem um empréstimo) na legislação sobre falências e garantias. Esse aspecto da obtenção de crédito analisa, por exemplo, a possibilidade de um credor fazer valer seu direito de garantia fora dos tribunais, mediante acordo entre as partes, e a possibilidade de credores assegurados terem prioridade no pagamento em caso de liquidação da empresa devedora.
Na profundidade da cobertura das informações de crédito, o Brasil alcançou a pontuação máxima, ao lado de outros 53 países. De acordo com o relatório “Doing Business 2020”, o percentual de indivíduos com alguma informação de crédito nos birôs, tomando o horizonte de cinco anos, foi de 81,2%, um número acima do percentual médio observado entre os países da OCDE, que alcançou 66,7% no último levantamento.
O documento ainda mostra a importância da atividade dos birôs e a evolução desse setor ao redor do mundo. Em 2005, apenas 67% das economias tinham birôs de crédito privados ou registro público de empréstimos. Em 2019, esse percentual passou para 88%. Os dados colhidos pela instituição sugerem ainda que a presença dos birôs está associada a um nível maior de crédito como proporção do PIB.
É na qualidade da legislação sobre falências e garantias que se identifica uma grande oportunidade de aprimoramento do mercado de crédito brasileiro. Nesse quesito, o Brasil alcançou 2 pontos de um total de 12, abaixo inclusive da média dos países da América Latina e Caribe (5,3 pontos). Por meio de uma garantia, as instituições que concedem crédito conseguem limitar as perdas em caso de inadimplência. Nesse sentido, o avanço regulatório poderia, mais do que elevar a pontuação brasileira no ranking mundial, reduzir o custo de crédito na ponta, diminuindo a insegurança jurídica e estimulando a formação de novos negócios.
Um estudo do Banco Central estimou o impacto das garantias sobre as taxas de juros, comparando empréstimos garantidos e não garantidos tomados por um mesmo indivíduo, de modo a controlar os demais fatores que afetam o custo do crédito. Os resultados mostraram que as taxas de juros cobradas no crédito pessoal sem garantia são praticamente o dobro das praticadas nas operações com garantia.
A preocupação com o ambiente de negócios no Brasil motivou a edição da MP da Liberdade Econômica, em 2019, por meio da atuação da Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Posteriormente, a medida provisória foi transformada em lei, liberando mais horários para funcionamento dos estabelecimentos, flexibilizando a legislação trabalhista e dispensando a apresentação de alvará para quem exerce atividades de baixo risco. Os novos marcos da liberdade econômica também consideram a realidade da digitalização, permitindo a emissão de carteira de trabalho por meio eletrônico.
Essa agenda continua. O objetivo é reduzir cada vez mais o peso burocrático que dificulta o desenvolvimento dos negócios. No tema da obtenção de crédito, a autoridade monetária e a Secretaria Especial de Modernização do Estado assinaram um memorando para melhorar a avaliação do Brasil nesse quesito. A meta é passar dos 50 pontos atuais para 70, até o fim de 2022. Outros acordos foram assinados, visando aumentar a pontuação nas outras dimensões do indicador e colocar o país entre as 50 primeiras economias com maior facilidade de fazer negócios. Seria um notável avanço.
Obrigado pela leitura! Acesse outros conteúdos na página da ANBC.
Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado