Em 2016, a União Europeia deu um passo regulatório importante na direção da modernização dos serviços de pagamento e do compartilhamento de informações bancárias entre instituições financeiras sob consentimento do consumidor. Esse passo foi dado por meio da atualização do Payment Services Directive (PSD) que resultou na criação do PSD2. O velho continente discute agora a formulação do PSD3.
O PSD2 dispõe de um conjunto de regras sobre a proteção do consumidor, a segurança das transações e a supervisão das instituições que oferecem serviços de pagamentos. As propostas de mudanças nesse marco buscam reforçar esses mesmos princípios, agora diante de novos desafios e oportunidades. Este artigo discute os pontos de mudança, enfatizando o impacto sobre o mercado de crédito.
O primeiro ponto diz respeito ao combate às fraudes, que requer aprimoramento constante para lidar com o surgimento de novas abordagens. Um exemplo citado pela “European Commission” é a prática da engenharia social, por meio da qual fraudadores manipulam as vítimas a fazer pagamentos indevidos. As propostas para lidar com esse problema baseiam-se no incentivo à cooperação entre instituições financeiras, mediante o compartilhamento de informações relacionadas a fraudes, e no reforço dos mecanismos de checagem do beneficiário de um pagamento.
Sobre os direitos do consumidor, a proposta mira detalhes que podem dar mais segurança e transparência às transações, definindo o nome – legal ou comercial – de um beneficiário que deve aparecer nas transações de pagamento. Outras questões mais gerais também foram consideradas, como a adequação da regulação dos pagamentos às leis de proteção de dados.
Buscando estabelecer uma competição mais justa entre os bancos e as instituições de pagamentos, a revisão do PSD2 abre a possibilidade de que essas instituições possam integrar os sistemas de pagamentos, sujeitando-se, em contrapartida, a regras mais criteriosas de gerenciamento de riscos.
As discussões sobre o PSD3 também trazem novidades sobre o compartilhamento de informações financeiras. Se o PSD2 foi fundamental para o desenvolvimento do Open Banking, a nova proposta busca ampliar o escopo das informações a serem compartilhadas sob o consentimento do consumidor, introduzindo o conceito de Open Finance, termo empregado pelo regulador brasileiro desde o início de 2022. O escopo ampliado inclui informações sobre investimentos, seguros e operações de crédito.
A atualização do PSD3 deverá servir de parâmetro para novas rodadas de atualização regulatória ao redor do mundo. O tema é importante porque a agenda da modernização dos meios de pagamento promete tornar as transações mais rápidas, eficientes e menos custosas, representando um vetor de crescimento econômico e de integração entre as atividades econômicas – sobretudo as informais – e o sistema financeiro.
O caso do PIX no Brasil ilustra bem a relação entre o desenvolvimento do mercado de pagamentos e a integração ao sistema financeiro. Dados divulgados no Relatório de Economia Bancária de 2021 mostram que 36 milhões de brasileiros sem histórico de realização de transferências bancárias antes da criação do PIX passaram a fazer esse tipo de transação depois que o novo instrumento foi criado. E mais do que isso: no grupo acrescido ao sistema financeiro por meio do PIX, observou-se um crescimento da utilização do crédito nos meses seguintes. Conforme o próprio Banco Central pontuou, mesmo sem estabelecer uma relação de causalidade entre PIX e crédito, os dados sugerem “complementaridade entre serviços de pagamentos e acesso ao crédito”.
Potencializando esse efeito, a infraestrutura de compartilhamento de dados promete maior competitividade em serviços financeiros mais complexos, como o crédito, oferecendo aos consumidores a opção de compartilhar um ativo valioso: a informação. Experimento aponta ganhos no uso das informações bancárias, desde que combinadas com outras fontes de dados. E a razão é simples: o compartilhamento via Open Finance se mostrou insuficiente em outras experiências mundiais, já que consumidores com histórico negativo teriam pouco incentivo a apresentar esses dados. Quando esses dados são enriquecidos por outras bases, o poder preditivo da análise de crédito cresce, reduzindo o risco das instituições concedentes de crédito.
Atuando há décadas no fornecimento de informações para a melhor tomada de decisão na concessão, o setor de birôs de crédito dispõe de diversas bases complementares ao sistema financeiro aberto, além de uma vasta expertise na combinação de fontes diversas, modelagem analítica, preditivos e antifraude. O futuro da análise de crédito passa pelo uso inteligente dessas fontes e ferramentas, de modo a viabilizar condições de crédito mais justas e criar incentivos para o uso responsável do crédito.
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado