A aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi um grande avanço para a segurança jurídica e o desenvolvimento econômico, tecnológico e social do país. Cabe destacar que a lei possui inúmeros dispositivos que pedem regulamentação por parte da autoridade competente. Por esse motivo, o funcionamento pleno da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) é essencial para que as organizações brasileiras trabalhem com mais segurança jurídica em relação à sua conformidade com a nova lei, preservando o equilíbrio entre a proteção de dados pessoais e a expansão da economia digital.
Devido à importância do uso de dados nas mais diversas atividades e ao rápido crescimento da economia digital, é fundamental que os diferentes setores, principalmente aqueles que tratam grandes volumes de dados, participem do processo de formação da estrutura responsável pela proteção de dados no Brasil, trazendo suas contribuições e principais desafios encontrados nas aplicações práticas da lei.
Para usar um exemplo que conheço, o das empresas de serviços de proteção ao crédito, vale destacar que o setor faz o tratamento de cerca de 150 milhões de dados de pessoas físicas e jurídicas, usando exclusivamente informações necessárias ao propósito legítimo de fornecer avaliação de crédito em ambiente de total segurança das informações. O tratamento de dados para análise e concessão de crédito às pessoas e empresas está na essência dos birôs de crédito, que representam importante instrumento gerador de confiança e segurança para o mercado de crédito, atuando muito próximos de bancos, fintechs e startups financeiras.
A Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC) participou ativamente da construção do projeto de lei de proteção aos dados pessoais e apresentou inúmeras sugestões para os principais conceitos relativos aos dados pessoais, principalmente aqueles diretamente ligados ao mercado de crédito. Por todo seu envolvimento no processo, e pela experiência internacional dos birôs de crédito no tratamento de dados com respeito à privacidade, o setor coloca-se à disposição para apoiar e fornecer subsídios às atividades que serão desenvolvidas no âmbito da ANPD e do Conselho Consultivo da Autoridade de Proteção aos Dados Pessoais.
Os representantes dos birôs de crédito consideraram aderentes aos anseios do mercado e da sociedade as posições que têm sido defendidas pelos indicados para a Diretoria da ANPD. Entre essas, a de que a Autoridade deve favorecer o engajamento construtivo, estimular a educação do uso de dados pessoais, recompensar o comportamento adequado e usar punições somente como última alternativa. E, ainda, a intenção de ouvir todos os setores na formulação da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e de atuar com transparência e inovação, de forma a garantir que os dados pessoais sejam compartilhados com responsabilidade. Além disso, a proposta de realizar ações que facilitem a inserção do país em cadeias globais de valor, por exemplo, por meio da regulamentação urgente de transferências internacionais.
Relatório da OCDE sobre economia digital no Brasil
O funcionamento imediato da ANPD é tão importante para o Brasil que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo ao qual o Brasil vem pleiteando ingresso, lançou relatório sobre a economia digital no país, com recomendações de melhoria na confiança para a economia digital.
A OCDE sugere que o país deve reavaliar as condições estabelecidas no Artigo 55-A da Lei 13.709, para garantir total independência da ANPD desde o início, e que as regras para a indicação do Conselho Diretor da ANPD e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPDP) sejam transparentes, imparciais e baseadas em conhecimento técnico.
O documento alerta, ainda, que a LGPD é omissa quanto à forma como as entidades vão administrar as divergências que surgirem, que é preciso estabelecer regras claras em relação à tomada de decisões no âmbito da ANPD e à sua implementação pelo Conselho Diretor, que é necessário garantir um orçamento previsível para a ANPD e alinhar a Estratégia Brasileira para Inteligência Artificial com a Lei Geral de Proteção de Dados e outros marcos legais relevantes em cooperação com todos os atores.
Conselho Diretor da ANPD
Por envolver todos os setores da economia brasileira, o setor de birôs de crédito também entende que o Conselho Diretor e o corpo funcional da ANPD devem ter ampla disponibilidade para conhecer as especificidades de cada segmento e expertise técnica em áreas como segurança da informação, desenvolvimento da economia digital e transformação digital, além de conhecimentos em convergência regulatória, certificações e boas práticas internacionais.
Paralelamente, o setor também acredita que a ANPD deverá desenvolver suas atividades em harmonia com outros organismos responsáveis pela regulação de atividades econômicas específicas, a exemplo do que tem ocorrido em outros países que já possuem legislação de proteção de dados. E, como inclusive explicita a própria LGPD, a ANPD deve se articular com outras autoridades reguladoras públicas para exercer suas competências em setores específicos de atividades econômicas e governamentais sujeitas à regulação. Na visão do setor, sem a condução estratégica da ANPD, as múltiplas interpretações de outras esferas públicas tenderão a causar insegurança jurídica e muitas ações judiciais, que poderiam ser evitadas em boa parte dos casos por instruções e orientações prévias da Autoridade competente.
Finalmente, entendemos que cabe a todos nós, governo, sociedade, controladores e operadores de dados pessoais do setor privado, zelar pela LGPD, pois todos são responsáveis pelo exercício do direito digital de forma sustentável. Assim, a criação da ANPD, sua estruturação interna e as peças regulatórias devem se apoiar em ampla e irrestrita consulta pública, com orientação e educação das organizações e dos cidadãos em torno dessas regras.
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado