Em fevereiro, crianças e adolescentes de todo o país retornaram às aulas. No estado de São Paulo, os currículos foram reformulados. Entre as novidades, destaca-se a inclusão de duas aulas semanais de educação financeira em todos os anos do Ensino Médio. O conteúdo também fará parte dos anos finais do Ensino Fundamental.
Nos últimos dez anos, o tema da educação financeira ganhou espaço na imprensa e nas mídias sociais, na esteira do processo de “financial deepening”, ou aprofundamento do acesso a produtos e serviços financeiros. Alguns dados ilustram esse processo: o número de investidores na Bolsa saltou de 700 mil em 2018 para 5 milhões em 2023, segundo a B3 ; no mesmo período, o número de CPFs cadastrados no Tesouro Direto passou de 3,1 milhões para 26,9 milhões.
A ampliação do acesso a serviços financeiros mais sofisticados requer mais conhecimento para evitar riscos excessivos e comprometimento da saúde financeira. Assim, é compreensível que o tema da educação financeira venha engajando entidades civis e órgãos governamentais. A semana ENEF é um exemplo dessa parceria. O evento ocorre desde 2014, com apoio da iniciativa privada e a participação dos birôs de crédito.
Agora o tema começa a chegar às escolas, em complemento ao ensino formal. E já existem evidências de que o impacto da educação financeira no ensino básico é positivo. Um estudo recentemente divulgado pelo Banco Central do Brasil acompanhou dados de um programa de educação financeira voltado para alunos do Ensino Médio. O programa foi aplicado entre 2010 e 2011, e, ao longo de nove anos, os participantes foram monitorados para comprovar os benefícios no longo prazo.
Além do grupo de tratamento, que foi submetido ao programa de educação financeira, também o grupo de controle – que não recebeu treinamento ou livros, mas participou das avaliações que ocorreram – foi acompanhado ao longo do tempo, de modo a possibilitar uma avaliação rigorosa do programa.
Destacamos três conclusões do estudo sobre os efeitos de longo prazo do ensino de educação financeira. A primeira é que os alunos que receberam o treinamento apresentaram, anos depois, probabilidade 8% menor de usar o cheque especial – uma modalidade considerada cara.
O estudo também mostrou uma probabilidade menor de que alunos que receberam o treinamento atrasem o pagamento de operações de crédito. E indicou, ainda, uma propensão maior ao empreendedorismo e à atuação no mercado de trabalho formal entre esses alunos.
Dados recentes divulgados sobre a Inglaterra e os Estados Unidos mostram, no entanto, que as iniciativas precisam ser aprimoradas e universalizadas. Na Inglaterra, de acordo com o relatório da “House of Commons”, desde 2014 a educação financeira integra o currículo nacional para estudantes de 11 a 16 anos, como parte do ensino de Cidadania e Matemática. Mesmo assim, o documento cita uma pesquisa que constatou que apenas 29% dos jovens entrevistados lembravam ter recebido ensino de educação financeira na escola.
Nos Estados Unidos, um relatório de 2023 classificou os estados americanos de acordo com a abordagem da educação financeira nas escolas. Os estados classificados como “A” oferecem no mínimo 60 horas de conteúdo de educação financeira no ano acadêmico. Nessa categoria, apenas sete estados foram classificados. Na categoria B, em que o conteúdo é requerido como parte de outras disciplinas, 21 estados foram computados, enquanto os demais apresentaram menos ou nenhuma exigência de educação financeira no ensino básico.
Ambos os casos sugerem que uma disciplina separada pode ser mais efetiva do que atrelar o conteúdo de finanças a outras disciplinas. Além de abordar a gestão do orçamento e fontes de renda, os programas devem estar atentos às novidades do mundo financeiro, explorando temas como nota de crédito e lógica das concessões.
É importante que os jovens se iniciem no sistema financeiro sabendo que a construção de um bom histórico de crédito será decisiva quando precisarem recorrer a alguma modalidade de crédito, seja para abrir um negócio ou realizar um sonho de consumo.
O assunto também deve ter vida fora das escolas. Em dezembro de 2023, o Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram a Resolução Conjunta nº 8, que regula as medidas de educação financeira a serem adotadas por instituições financeiras. Os requisitos incluem contribuição para organização do orçamento familiar, a formação de poupança e a prevenção à inadimplência.
Consciente dessa necessidade, o setor de birôs de crédito empenha-se na disseminação de conteúdo didático sobre finanças, inclusive para o contingente da população que passou da idade escolar e busca orientações para a vida financeira.
O acesso aos serviços financeiros só produzirá os impactos desejados de bem-estar se, como sociedade, formos capazes de ampliar o conhecimento sobre a utilização desses instrumentos.
Cidadania financeira
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado