Fonte: https://www.migalhas.com.br/
As liminares concedidas nessas ações, que determinam a retirada do nome do cadastro de negativados, provocam distorção na análise de crédito e resultam em juros maiores para os consumidores.
A chamada “indústria de limpeza do nome” é promovida por associações (algumas de fachada), que distribuem ações coletivas em face dos birôs de crédito, predominantemente nos estados do Piauí, Pernambuco e Paraíba, para suprimir as informações de inadimplemento de devedores e aumentar, consequentemente, a nota de crédito, sem que fique qualquer prova de irregularidade no cadastro dessas dívidas.
As liminares concedidas nessas ações, que determinam a retirada do nome do cadastro de negativados, provocam distorção na análise de crédito e resultam em juros maiores para os consumidores.
A prática dessas associações, denominada “litigância predatória“, tem preocupado a Justiça brasileira por gerar prejuízos à celeridade processual e ao erário público, além de ir na contramão do consenso existente entre os profissionais do direito. Estes pregam que a judicialização deve ser sempre a última alternativa, depois de esgotadas todas as possibilidades de resolução consensual ou amigável.
A situação descrita como judicialização predatória pela recomendação 127, publicada em fevereiro pelo CNJ, acontece graças à ação de advogados que propõem milhares de ações judiciais por ano, com petições contendo pedido e causa iguais, alterando somente o nome da parte representada e outras poucas informações de identificação do processo. A recomendação orienta os tribunais a adotarem medidas de cautela e fornece ao CNJ instrumentos para acompanhar e combater a tramitação de casos de judicialização predatória.
O próprio mercado está atento a essa situação, que aumenta os custos de operação das empresas e penaliza as atividades econômicas em geral. O setor de birôs de crédito, por meio da ANBC – Associação Nacional dos Bureaus de Crédito, e outras entidades se reuniram para combater a tal “indústria da limpeza do nome”.
A atuação dos birôs de crédito e de outros setores está baseada em parecer jurídico-econômico assinado por Luciano Timm, advogado e professor da FGV-SP, e Luciana Yeung, doutora em Economia pela mesma instituição de ensino, bem como coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper1. O objetivo desse documento, que foi encaminhado ao CNJ, é evidenciar os reflexos negativos para o mercado de crédito das liminares deferidas pelos juízes. Demonstra, ainda, que essas decisões acabam por incentivar comportamento indesejável, voltado para a judicialização predatória e oportunista.
Os birôs utilizam dados relevantes para fornecer ferramentas que suportam as operações de crédito. Ao criar meios de avaliação com informações (inclusive de inadimplência), os birôs proveem higidez à disciplina de crédito, auxiliando credores e beneficiando os próprios consumidores com redução dos custos da concessão do crédito. Essa dinâmica evita que o risco da inadimplência seja distribuído na cadeia, prejudicando, assim, quem paga suas contas em dia. Protege, ainda, os próprios tomadores de crédito de se endividarem além da sua capacidade, conforme exigência da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), que entrou em vigor no ano passado.
Os birôs trabalham para reduzir a assimetria informacional, que é o desconhecimento das instituições que oferecem crédito sobre o tomador de crédito, especialmente de sua capacidade de adimplir o contrato. O problema é que as intervenções judiciais, como o deferimento de pedidos de liminar, no contexto da “indústria de limpeza do nome”, interferem na qualidade da informação compartilhada pelos birôs. Afinal de contas, os birôs, por causa dessas liminares concedidas, são obrigados a retirar dados de tomadores de crédito da lista de negativados, sem que estes tenham cumprido com a obrigação assumida.
Esse cenário contribui para a elevação do risco de concessão de crédito, o que resulta em aumento dos custos (dos juros) na contratação de crédito. “É inconteste entre os analistas – de qualquer formação acadêmica e profissional – que um dos maiores motivos das altíssimas taxas de juros e de spread é a insegurança trazida pela inadimplência de parcela dos clientes e, mais importante ainda, das frequentes defesas que o Judiciário faz desses indivíduos”, escrevem Timm e Yeung no parecer jurídico-econômico.
De acordo com o ICC (Indicador de Custo do Crédito), criado pelo Banco Central, e que reflete o peso dos juros na economia, a inadimplência é o principal componente do spread. Considerando os valores médios entre 2018 e 2020, a inadimplência respondeu por 31,9% do spread do ICC.
Timm e Yeung concluem o parecer dizendo que, quanto mais o Poder Judiciário, ou outra autoridade legal, tomar decisões que favoreçam a inadimplência de clientes nessa situação, como o deferimento dos pedidos de liminar, mais contribuirá para o aumento do spread no Brasil. É o chamado “fator Judiciário” que, há muitos anos, pesa no orçamento das empresas e no bolso dos consumidores.