Crédito sustentável
A história recente ensina a importância da estabilidade financeira: há menos de duas décadas, uma crise iniciada no sistema bancário americano levou a economia global a uma severa recessão. Desde então, o aparato regulatório vem evoluindo para lidar com o risco de mercado e o risco de crédito. O momento atual cobra, no entanto, atenção a outros tipos de risco, entre eles o ambiental. O fator climático pode afetar a estabilidade do sistema financeiro, e os riscos ambientais precisam ser gerenciados. A forte estiagem que atinge a região Sul do país, trazendo prejuízos à safra, ilustra bem essa relação, tendo em vista a forte presença do crédito no financiamento do campo.
A experiência do sistema financeiro com o gerenciamento do risco de mercado e de crédito é mais antiga. Os birôs de crédito fornecem há décadas informações e instrumentos para mitigar o risco de inadimplência. Já a experiência com o gerenciamento dos riscos ambientais está só começando. Nesse tema, onde estamos e para onde vamos?
Em dezembro de 2022, o Banco Central do Brasil divulgou a segunda edição do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas. O nome do relatório remete ao acrônimo ESG. O documento faz um balanço das ações relacionadas à pauta ambiental, social e de governança. É interessante notar que essa agenda, nascida e fomentada no setor privado, tenha entrado no vocabulário dos órgãos reguladores e formuladores de política econômica.
O tema ESG foi abordado neste espaço em algumas ocasiões, e é sempre válido retomar o seu significado. A sigla representa um com junto de boas práticas que buscam conciliar o avanço econômico com a preservação ambiental, o progresso social e a transparência. Mais do que um slogan, esse princípio passou a ser incorporado ao processo de decisão das empresas, mudando o “custo” das práticas ruins. O selo ESG pode significar, por exemplo, melhor acesso a recursos nos mercados de capital.
Um dos desafios para a aplicação prática desses princípios é a mensuração padronizada das boas práticas e dos riscos assim como a divulgação periódica dos resultados. Por conta disso, em um esforço internacional, TCFD o “Task Force on Climate-Related Financial Disclosures” criou uma força-tarefa em 2017 para orientar a divulgação de informações sobre os riscos e oportunidades de negócios relacionados à mudança climática. O Banco Central do Brasil declarou apoio formal às recomendações da força-tarefa.
No balanço publicado em dezembro, a autoridade monetária destacou um conjunto de normas que preveem a divulgação de informações sobre os riscos e oportunidades sociais e climáticas por parte das instituições financeiras. A forma dessa divulgação ainda será aprimorada com a inclusão de métricas e metas, seguindo discussões feitas em nível internacional. A previsão para essa entrega é 2023.
Além do papel regulatório e supervisor da autoridade monetária, outra entrega importante mencionada no relatório são os estudos que buscam mensurar o impacto do risco climático sobre o sistema financeiro nacional. Um estudo divulgado no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2022 analisou o tamanho da fatia do crédito nas mãos dos setores mais expostos ao chamado risco de transição – isto é, o risco de serem afetados por mudanças regulatórias e comportamentais decorrentes da transição para uma economia de baixo carbono. De acordo com os resultados, cerca de 8% da carteira de crédito destina-se a tomadores que podem ser afetados pelo risco de transição.
No âmbito das práticas sociais, o balanço ESG do Banco Central do Brasil destaca as iniciativas de promoção da educação e da cidadania financeira, o que representa uma oportunidade para o mercado de crédito e o sistema financeiro de maneira geral. Nesse âmbito, as iniciativas do setor privado também são notáveis. Desde meados da década passada, esse tema vem sendo engajado pelas empresas e pelas diferentes mídias, buscando ampliar o conhecimento sobre os instrumentos financeiros e a gestão do orçamento.
No primeiro artigo do ano, destacamos os resultados de uma sondagem realizada pela Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), que busca acompanhar o conhecimento da população sobre a nota de crédito e o Cadastro Positivo. Esse é apenas um exemplo do que o setor vem fazendo há anos para melhorar o ambiente de crédito no Brasil.
O setor entende que o esforço regulatório e as boas práticas surgidas no âmbito privado devem caminhar juntos e seguirá trabalhando para promover a sustentabilidade do mercado de crédito.
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado