Nos países latino-americanos, a cultura do parcelamento é uma característica marcante. No Brasil, dados do setor de birôs de crédito mostraram que, em 2019, 64% da população tinha o hábito de parcelar compras. Um levantamento realizado na Argentina, no mesmo período, mostrou que 77% dos consumidores tinham parcelas de compras a pagar. Por serem traços comportamentais, é pouco provável que esses hábitos tenham se alterado drasticamente, mesmo no atípico 2020.
Por muito tempo, nos pequenos comércios, um arquivo físico guardava as operações de vendas a prazo. No entanto, com o avanço da bancarização, os meios de pagamento eletrônicos foram ocupando esse espaço. Dados da Associação Brasileira de Cartões de Crédito e Serviços (ABECS) vêm mostrando, ano após ano, uso crescente dos meios eletrônicos: só no terceiro trimestre de 2020, o volume transacionado através de cartões de crédito, de débito e de cartões pré-pagos cresceu 10%, na comparação com o mesmo período do ano anterior, descontado o efeito do auxílio emergencial.
Quem escolhe pagar com o cartão de crédito tem a opção do parcelamento e do pagamento “à vista”, caso em que o valor é cobrado de uma só vez. O recebimento através dos cartões transfere o risco da inadimplência do varejo para as instituições financeiras. Além disso, permite aos estabelecimentos realizar a antecipação dos recebíveis.
Recentemente, a disponibilização dos crediários através do cartão de crédito abriu mais uma possibilidade para consumidores, lojistas e prestadores de serviços. Embora pareçam a mesma coisa, há diferenças entre essa nova opção de pagamento e o parcelamento no cartão de crédito. No caso do crediário, o consumidor tem a possibilidade de optar por um número maior de parcelas, desde que aceite arcar com o custo dos juros. Para comerciantes e prestadores de serviços, a diferença é que a venda no crediário permite receber os recursos de forma mais rápida, com a operação sendo financiada pelo emissor do cartão.
Mesmo com a penetração dos meios eletrônicos e com a criação do crediário através dos cartões de crédito, o crediário à moda antiga resiste. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), em dezembro de 2020, 18% das famílias com renda inferior a 10 salários mínimos relataram ter dívidas no carnê – entre as famílias com maior renda, o percentual foi de 9,9%.
O Brasil comporta muitas realidades. Se parte da população tem acesso às novidades do mercado de crédito, outra parte nem sequer tem acesso a uma conta bancária, apesar de termos avançado na cobertura da bancarização. Há várias estimativas sobre os desbancarizados no Brasil. De acordo com uma sondagem do Instituto Locomotiva, em 2019, esse contingente era de 45 milhões de brasileiros. Alheios às novidades do mercado de crédito, esses consumidores têm duas opções para acessar o parcelamento: usar o nome de terceiros ou recorrer ao bom e velho crediário.
É verdade que, com o esforço realizado para pagar o auxílio emergencial, o número de desbancarizados caiu. Segundo estudo elaborado pela Americas Market Intelligence e pela Mastercard, a queda foi de 73% em 2020, durante a pandemia. Mas há um longo caminho a ser percorrido entre ter acesso à primeira conta bancária e usar, de forma bem informada, tudo aquilo que a bancarização oferece.
Ao concederem crédito de forma direta para esse público, os setores de comércio e serviços também incorrem em riscos. Dados dos birôs de crédito mostram que, em setembro de 2020, esses setores respondiam por mais de um quinto do total de negativações. A criação dos birôs de crédito foi um passo importantíssimo para a mitigação desse risco.
Com as informações de negativação, o lojista deixou de se basear apenas na relação pessoal com seu cliente e acrescentou um critério objetivo na sua tomada de decisão, podendo checar o histórico financeiro dos seus clientes a um custo acessível. Nas últimas décadas, a digitalização dos bancos de dados possibilitou que as consultas pudessem cobrir todo o território nacional. E, mais recentemente, o aprimoramento do Cadastro Positivo colocou à disposição informações mais completas sobre o histórico de pagamentos, tornando a análise mais precisa.
A opção pelos parcelamentos é um traço que dificilmente irá mudar do dia para noite. Por muito tempo, ainda veremos os anúncios do varejo destacarem a quantidade de parcelas para a escolha do cliente. Independentemente de quem financie as operações de crédito, o importante é que, na origem, as empresas façam uma análise de crédito bem feita, e os consumidores, por sua vez, exercitem suas escolhas com planejamento e consciência, de modo a garantir a sustentabilidade de todo o sistema.
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado