Fonte: VEJA | Por Márcio Juliboni, Felipe Erlich 17 ago 2024, 08h00
Sistema que reúne o histórico financeiro de pessoas e empresas reduz os custos de crédito e incluiu mais de 20 milhões de brasileiros no mercado
Melhorar o ambiente de negócios, por meio de microrreformas setoriais, é tão importante para estimular o crescimento da economia quanto equacionar os grandes problemas brasileiros, como a crescente dívida pública. Um exemplo é o Cadastro Positivo, que reúne o histórico financeiro de 159 milhões de pessoas e 8 milhões de empresas.
Embora sua criação date de 2011, o mercado de crédito considera que o cadastro deslanchou depois de 2019, quando foi reformulado. Desde então, a iniciativa contribuiu para reduzir em 10,4% o spread bancário, que representa a diferença entre os custos dos bancos para emprestar dinheiro e os juros pagos pelo tomador. “Mostramos que, ao reduzir a assimetria de informação, fazemos o sistema caminhar”, disse Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em evento que comemorou os cinco anos da nova versão do cadastro.
Reduzir a tal assimetria nada mais é do que permitir que os agentes financeiros tenham acesso às mesmas informações sobre como anda o bolso de potenciais clientes. A queda no spread é um efeito bem-vindo, mas não o único.
Até 2019, a adesão ao cadastro era voluntária, e os indivíduos deveriam solicitar formalmente sua inclusão. Na época, lojistas e instituições financeiras eram os principais responsáveis por receber e processar esses pedidos. A falta de confiança da população em expor sua vida financeira e as dificuldades das empresas em implementar o projeto resultaram na baixa participação que marcou a primeira fase do programa: chegou a 2019 com apenas 8 milhões de brasileiros participantes. A lei complementar número 166, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro em abril daquele ano, reimpulsionou o Cadastro Positivo.
A principal mudança foi tornar obrigatório o compartilhamento de informações. Em contrapartida, os indivíduos podem solicitar exclusão do sistema. O setor financeiro foi o primeiro a contribuir, fornecendo dados de 150 milhões de nomes. O cadastro recrutou outros setores, como concessionárias de energia e saneamento, para obter o histórico de pagamento de pessoas que não se relacionavam com bancos. A maior visibilidade incluiu 22 milhões de cidadãos no mercado de crédito. “A colaboração entre setores ajudou todo mundo”, diz Elias Sfeir, presidente da ANBC, associação que reúne os birôs de crédito.
As empresas já sentem a ampliação do mercado. “Aumentamos o percentual de clientes financiados”, diz Vital Leite, diretor de serviços financeiros da Casas Bahia. Com uma carteira de crédito de 88 bilhões de reais, o Banco BV também experimentou uma aceleração dos negócios após as mudanças do Cadastro Positivo há cinco anos. “Cerca de 15% dos créditos hoje vão para pessoas que não seriam aprovadas antes de 2019”, diz Roberto Jábali, diretor de crédito e cobranças do BV. As empresas não estão apenas conhecendo mais clientes em potencial — elas estão conhecendo-os melhor.
Isso leva à oferta de produtos e serviços mais personalizados, que premiam os bons pagadores com condições especiais, mas sem fechar as portas para quem está com o nome negativado. Em 2019, os clientes do BV com pior perfil de crédito pagavam, em média, taxas de juros 10% maiores que aqueles com maior pontuação. “Essa diferença entre as taxas já subiu para 17%”, afirma Jábali. O Banco Pan vive situação parecida. Caio Crepaldi, seu diretor de crédito, explica que a lista de bons pagadores tornou mais objetivo o empréstimo de dinheiro. “O cadastro ajuda a definir as condições para que o crédito seja concedido”, diz. É claro que a taxa de juros paga pelos clientes não depende apenas de seu perfil. A conta é afetada por variáveis como a taxa básica Selic, o cenário macroeconômico e os impostos sobre o setor financeiro. Por isso, em cinco anos de vigência do novo cadastro, a média dos juros pagos por pessoas físicas segue acima dos 100% ao ano, mas os sinais são animadores, diante do recuo do spread comunicado por Campos Neto. “É uma queda expressiva e mostra que o custo de crédito está menor”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
Em paralelo, o programa impediu que a pandemia de covid-19 deixasse marcas ainda mais profundas na economia, que padece hoje com 70 milhões de inadimplentes. “Se não fosse o Cadastro Positivo, a inadimplência seria muito maior”, diz Rabi. Em outros tempos, ter o nome sujo fechava portas. Hoje em dia, cada vez mais especialistas afirmam que o remédio para quem enfrenta problemas financeiros é ter mais, e não menos, acesso ao mercado — e o novo cadastro é peça central nisso. “Chega a ser um contrassenso negar crédito para quem está negativado, porque é nesse momento que ele é mais importante”, diz Tadeu Silva, presidente da Acrefi, associação que representa as financeiras.
Os bancos também estão mais dispostos a abrir os cofres. Nas últimas semanas, as maiores instituições do país — Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander — afirmaram que, após os bons resultados obtidos no segundo trimestre de 2024, estão inclinadas a conceder mais crédito. À medida que as microrreformas implementadas pelo Banco Central avançam, mais sinergia adquirem.
O próximo salto será a convergência entre o Cadastro Positivo e o sistema Open Finance — que fornece ainda mais transparência à vida financeira dos consumidores. De um lado, essa junção permitirá desenvolver produtos financeiros mais personalizados, que ofereçam melhores recompensas aos bons pagadores, sem deixar de atender aqueles que estão na base da pirâmide. De outro, clientes mais conscientes de sua boa nota de crédito terão maior poder de barganha, num círculo virtuoso em que todos ganham. O bolso dos brasileiros agradece.