A pandemia foi um desses eventos extremos que marcam gerações: já se passaram quase dois anos de encontros e planos adiados, mediados por uma série de cuidados, receios e incertezas. A cobertura vacinal e o recuo das ondas de infecção permitiram a retomada contato pessoal. Olhando em retrospecto, apesar de todas as dificuldades impostas por esse difícil período, a agenda microeconômica avançou, transformando o mercado de crédito e os serviços financeiros. A essa agenda, devemos somar o vetor tecnológico e a mudança comportamental. Neste artigo, elenco algumas dessas transformações:
1. Avanço na disciplina do crédito. A disciplina do crédito é um dos pilares de uma economia saudável e pujante. No centro da relação entre credores e tomadores de crédito estão os birôs de crédito exercendo atividade essencialmente. Por muitos anos, a entrega mais conhecida do setor eram produtos com uso de base de negativados. A evolução dos sistemas de informação, aliada à evolução regulatória, permitiu que os birôs de crédito criassem modelos cada vez mais sofisticados de previsão do comportamento de crédito. Os dados de adimplência que foram adquiridos a partir de 2019 são importantes por representarem uma fonte de informação a mais. No entanto, a contribuição desse banco de dados vai muito além, pois incentiva os consumidores a serem pontuais no pagamento. Se antes o principal incentivo dos cadastros de negativados era evitar a negativação, agora o incentivo é criar um histórico de bom pagador, obtendo com a própria reputação melhores condições de crédito.
Os consumidores estão cada vez mais cientes disso e quem acompanha com atenção o ecossistema do crédito vem acompanhando o grau de conhecimento dos brasileiros sobre essas novidades. Alguns resultados já foram discutidos neste espaço, revelando um elevado percentual de consumidores que conhecem e consultam a nota de crédito. A mais recente sondagem do setor de birôs de crédito investigou também o conhecimento sobre o novo Cadastro Positivo, cuja sanção completou três anos no último mês. Os resultados mostram que nove em cada dez consumidores ao menos já ouviram falar do CP e sete em cada dez percebem esse instrumento como algo bom na busca do crédito.
2. Os invisíveis têm nome e sobrenome. A primeira transformação ocorreu antes da pandemia, mas maturou ao longo desse período: o novo Cadastro Positivo. Desde que entrou em operação, esse instrumento foi evoluindo ao longo dos três últimos anos com o recebimento de informações de pagamento de novos setores. No plano individual, um levantamento do Banco Central mostrou que o CP está entregando o que prometeu: menor custo de crédito para os consumidores inseridos. No coletivo, as informações enviadas por empresas que atuam fora do setor financeiro deram visibilidade a milhares de consumidores que, antes, eram invisíveis ao mercado de crédito.
Recentemente, a Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC) contabilizou mais de 12 milhões de consumidores, entre pessoas físicas e jurídicas, passaram a ter informações disponíveis para a análise de crédito após a entrada dos dados do setor de telecomunicações. Mesmo sem histórico de relacionamento com o sistema financeiro, esses consumidores agora podem ser avaliados pelo histórico de pagamento de contas de serviços de telefonia. Os birôs já trabalham para receber informações de outros setores, como energia, saneamento e gás, de modo a ampliar ainda mais a visibilidade dos bons pagadores e destravar o crédito para o consumo e o desenvolvimento de novos negócios.
3. PIX: pagamentos, transferências… e crédito. Lançado em novembro de 2020, primeiro ano da crise sanitária, o PIX ganhou rápida adesão dos consumidores e das empresas. O sistema permite transferências instantâneas e gratuitas para pessoas físicas, a qualquer hora do dia e em qualquer dia da semana. A praticidade do PIX como meio de pagamento funcionou como porta de entrada da inclusão financeira: dados do Banco Central mostram que 17 milhões de brasileiros sem registros de uso de transferências via TED passaram a fazer as transferências com a nova modalidade. Como desdobramento da criação do PIX, as instituições financeiras passaram a ofertar o PIX Parcelado. Essa modalidade possibilita ao vendedor receber recursos de forma instantânea e ao comprador pagar em mais de uma parcela, seja utilizando o limite do cartão de crédito, seja gerando um crédito pessoal. Trata-se de uma opção a mais para o consumidor, com a ressalva – sempre importante – de que é preciso avaliar as condições de juros, isto é, o custo de utilizar o parcelamento.
4. A vida financeira na palma da mão. Os cuidados para evitar a propagação de vírus priorizaram os serviços virtuais, inclusive os financeiros, levando governos e empresas privadas a investirem na digitalização. Dados da Pesquisa Tecnológica da FEBRABAN mostram que o investimento dos bancos em tecnologia – incluindo segurança cibernética, inteligência artificial, 5G, cloud e big data – passou de R$ 8,3 bilhões, em 2019, para R$ 11,3 bilhões no ano passado. Uma interessante estatística é reflexo direto da prioridade do digital: de acordo com o Banco Central, o número de caixas eletrônicos automáticos no Brasil vem caindo: de 168 mil em 2020 para 135 mil em 2021.
As mudanças continuam. É possível mencionar outras mudanças em curso. A atenção dada às MPEs no enfrentamento da pandemia ainda ecoa nos dados de crédito. A soma dos recursos emprestados ao segmento de pequenos negócios cresce a taxas muito acima da média. Os programas de apoio do governo ao segmento foram tornados permanentes. Cabe mencionar também a importância crescente da pauta ambiental e dos novos critérios de análise que, tanto no mercado de crédito como no mercado de capitais, vêm norteando o direcionamento dos recursos.
É verdade que esses temas já estavam postos antes da pandemia, mas amadureceram ao longo dos últimos anos, melhorando o ambiente do crédito. Ainda há, no entanto, espaço para avançar: a redução do elevado spread brasileiro, a maior segurança jurídica a quem empresta recursos, o aumento da competição e um processo continuado de educação financeira, a começar pelas crianças e pelos jovens, de modo que a disciplina do crédito possa promover sua expansão em bases seguras.
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Por: Elias Sfeir Presidente da ANBC & Membro do Conselho Climático da Cidade de São Paulo & Conselheiro Certificado