O tema da litigância abusiva tem chamado a atenção de entidades do Judiciário e da sociedade civil. Mas o que significa esse termo? Trata-se do uso impróprio do direito de recorrer à Justiça, por meio da multiplicação de ações com o mesmo objetivo, práticas procrastinatórias, entre outras táticas que buscam impor custos judiciais excessivos à outra parte.
Para fomentar um mercado de crédito vez mais sustentável, essa discussão se torna essencial. Afinal, traz consequências tanto para a oferta de recursos quanto para a taxa de juros. A litigância abusiva impacta diversos agentes do ecossistema financeiro, incluindo os birôs de crédito, que desempenham um papel crucial ao reduzir a assimetria de informações e mitigar o risco de inadimplência nas operações de empréstimos e financiamentos.
A forma de atuação contra os birôs ocorre por meio de ações coletivas que buscam a exclusão de nomes de listas de negativados. O resultado é a criação de uma verdadeira “indústria”, que beneficia poucos à custa de muitos. Isso também tem um impacto significativo no funcionamento do sistema judiciário: a quantidade crescente do número de ações consome tempo e recursos.
Nesse sentido, a prática é prejudicial porque a litigância abusiva interfere no sistema de informações que baliza as decisões de crédito de milhares de concedentes, dentro e fora do sistema financeiro.
Quando ações fracas, movidas por má-fé, obtêm decisões favoráveis, o próprio requerente corre o risco de superendividamento. Além disso, os demais consumidores também saem prejudicados porque, diante de uma eventual dificuldade de distinguir os diferentes perfis de risco, as instituições concedentes tendem a se proteger elevando as taxas de juros e restringindo a oferta de crédito.
Pode-se ilustrar esse problema com exemplo recente: durante a pandemia nos Estados Unidos, surgiu a proposta de suspender temporariamente negativação de crédito dos consumidores. Um estudo feito para medir os impactos da medida mostrou que as pontuações médias de crédito tendem a subir com a supressão de informações, sem refletir, de fato, a real capacidade de solvência dos consumidores. Essa distorção reduz o comprometimento com o pagamento pontual de dívidas, criando um fenômeno conhecido na literatura econômica como “risco moral”, que prejudica a disciplina necessária para um mercado de crédito sustentável.
A antiga discussão sobre elevadas taxas de juros no Brasil tem como uma das hipóteses clássicas a insegurança jurídica. É neste contexto que se insere a questão da litigância abusiva, que atinge as instituições financeiras e as entidades que sustentam o mercado de crédito.
A literatura econômica mostra que a percepção das instituições financeiras sobre o desfecho de eventuais processos judiciais pode influenciar diretamente sua disposição para conceder empréstimos e financiamentos. Quando há uma maior prevalência de decisões favoráveis aos devedores, as instituições tendem a limitar a oferta de crédito ou a aumentar suas taxas.
Um estudo realizado pelo Banco Central do Brasil entre 2013 e 2018 revelou que um aumento de 10% na proporção de decisões favoráveis aos devedores reduziu em 23 pontos percentuais o crescimento de novos contratos de crédito. Essa evidência é crucial: a segurança jurídica dos contratos é fundamental para um mercado de crédito saudável. Esta segurança demanda, em essência, leis claras e uma interpretação menos discricionária no tratamento de litígios. Como no caso da supressão de informações de crédito, a existência de viés pode criar um incentivo à inadimplência, gerando custos adicionais aos demais consumidores por meio da restrição de crédito ou elevação de juros.
No entanto, temos boas notícias. O Brasil tem um sistema de informações de crédito robusto, eficiente e bem avaliado no cenário internacional, contemplando informações positivas e negativas de crédito. A prática da litigância é uma ameaça a esse mecanismo vital para a saúde do mercado de crédito. Contudo, temos avançado no combate à litigância abusiva, como fruto do diálogo entre membros do Judiciário e a iniciativa privada, a exemplo da Recomendação nº 127 do Conselho Nacional de Justiça, que sugere medidas contra essa judicialização excessiva e também temos mais recentemente a Recomendação 159 do Conselho Nacional de Justiça que recomenda medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva.
A disponibilização de informações de crédito e a confiabilidade do cumprimento dos contratos são peças fundamentais para que o mercado de crédito contribua para o desenvolvimento das famílias e das empresas. Ao entender e combater a litigância abusiva, todos nós podemos contribuir para um ambiente de crédito mais justo e eficiente. Vamos juntos fazer a diferença!
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